segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Acerca do mérito 

Por Erick Siqueira. 

                                                                                  Revisão: Carmo Graziosi 

            Ouço, por toda parte, que a meritocracia é um mito inaceitável. Pois bem: o que, de fato, seria essa meritocracia, pela qual nutrem tanta aversão? Se até o mais pudibundo soldado se enaltece com um elogio, como poderia ser o mérito uma coisa sem valor? Desde pequenos já somos ambiciosos: o prazer das birras infantis que deram certo não seria uma meritocracia? Se não há mérito, há então hipocrisia daqueles que a todo momento separam os melhores dos piores.

            O movimento da natureza e das coisas demonstra que os mais aptos se perpetuam. Por mais que, por artifícios humanos, se retarde esse movimento, ele não se interrompe. Os filhos de um casal de anões não serão necessariamente anões. O mérito natural das condições físicas de uma prole já demonstra que todos os que nasceram saudáveis receberam a honra ao mérito com a vida.

            Os estímulos ao movimento humano, seja o dos ginastas, seja o dos intelectuais, são sempre meritocráticos. No entanto, os “antimeritocráticos” atribuem à meritocracia apenas o seu sentido limitado e contemporâneo. A importância que é dada a um prêmio não significa que o prêmio seja, de fato, tão importante quanto parece; pois o valor dos prêmios é determinado por convenção. Desde um simples "parabéns" a um prêmio em ouro, o mérito estará sempre presente como algo que privilegia o sobrevivente.


            Somos todos sobreviventes e, mesmo que identifiquemos as diferenças entre um e outro sobrevivente, meritocraticamente temos o mesmo valor quanto ao quesito "sobrevivência". As convenções sociais podem classificar um sobrevivente como melhor que o outro, mas essa classificação só pode acontecer em classes específicas, pois um mendigo e um médico são tão distintos que poderão simplesmente menosprezar-se mutuamente; ou seja, entre os médicos e entre os mendigos poderá haver classificação, mas tal classificação terá critérios estabelecidos pelos próprios sobreviventes. Se nenhum médico ou mendigo considera importantes os critérios que classificam um mérito, este não terá importância. Logo, a convenção de uma classe determinará o mérito.

            O mérito é o resultado da ação de um indivíduo que atinge um objetivo cuja consecução requer, reconhecidamente, habilidade. Quanto maior a dificuldade enfrentada por esse indivíduo, maior será a habilidade de que ele precisará; e portanto mais "sobrevivente" ele será e mais mérito conquistará. Ainda que não receba o mérito convencionalmente atribuído, ganhará experiência; mas se for notado por sua classe, granjeará também um mérito considerável. Não existe mérito isolado – ele é um fenômeno social, tão comum quanto os cumprimentos.

            Aquele que, graças à sua habilidade, ao atravessar uma avenida é capaz de evitar que um carro o atinja, é meritocrático; ele é regido pelo mérito do hábito que tem: caso não tivesse a habilidade necessária, estaria ameaçado. Quanto aos não habilidosos, se não receberem auxílio estarão fadados à morte. Hoje atravessar uma avenida é muito comum, mas na época dos primeiros carros aconteciam acidentes em baixa velocidade, provocados pela falta de habilidade daqueles que, diferentemente de hoje, não tinham instrução. 


            O reconhecimento dos que adquirem habilidade sem instrução é mérito, e esse reconhecimento é necessário. Se existir algo que ninguém consiga manipular por falta de habilidade, e então surgir alguém suficientemente habilidoso para fazê-lo, este indivíduo deverá ser reconhecido e requisitado. Por outro lado, ele se tornará responsável pela exposição de suas próprias habilidades. Haverá os que, sozinhos, terão adquirido habilidades que poucos imaginavam existir e, ainda por cima, para fazer coisas consideradas ilícitas. Estes se dividirão em dois tipos: os primeiros tentarão expô-las e, consequentemente, sofrerão repúdio (embora seja possível também que ganhem o afeto de alguns admiradores e conquistem seguidores); os segundos evitarão expô-las, a fim de conservar a própria segurança, e caso venham a expô-las, não será fácil explicar os motivos, que poderão ser religiosos, familiares ou devidos à loucura.

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