Acerca do mérito
Por Erick Siqueira.
Revisão: Carmo Graziosi
Ouço,
por toda parte, que a meritocracia é um mito inaceitável. Pois bem: o que, de
fato, seria essa meritocracia, pela qual nutrem tanta aversão? Se até o mais
pudibundo soldado se enaltece com um elogio, como poderia ser o mérito uma
coisa sem valor? Desde pequenos já somos ambiciosos: o prazer das birras
infantis que deram certo não seria uma meritocracia? Se não há mérito, há então
hipocrisia daqueles que a todo momento separam os melhores dos piores.
O
movimento da natureza e das coisas demonstra que os mais aptos se perpetuam.
Por mais que, por artifícios humanos, se retarde esse movimento, ele não se
interrompe. Os filhos de um casal de anões não serão necessariamente anões. O
mérito natural das condições físicas de uma prole já demonstra que todos os que
nasceram saudáveis receberam a honra ao mérito com a vida.
Os
estímulos ao movimento humano, seja o dos ginastas, seja o dos intelectuais, são
sempre meritocráticos. No entanto, os “antimeritocráticos” atribuem à
meritocracia apenas o seu sentido limitado e contemporâneo. A importância que é
dada a um prêmio não significa que o prêmio seja, de fato, tão importante
quanto parece; pois o valor dos prêmios é determinado por convenção. Desde um
simples "parabéns" a um prêmio em
ouro, o mérito estará sempre presente como algo que privilegia o sobrevivente.
Somos
todos sobreviventes e, mesmo que identifiquemos as diferenças entre um e outro
sobrevivente, meritocraticamente temos o mesmo valor quanto ao quesito "sobrevivência".
As convenções sociais podem classificar um sobrevivente como melhor que o
outro, mas essa classificação só pode acontecer em classes específicas, pois um
mendigo e um médico são tão distintos que poderão simplesmente menosprezar-se
mutuamente; ou seja, entre os médicos e entre os mendigos poderá haver
classificação, mas tal classificação terá critérios estabelecidos pelos próprios
sobreviventes. Se nenhum médico ou mendigo considera importantes os critérios
que classificam um mérito, este não terá importância. Logo, a convenção de uma
classe determinará o mérito.
O
mérito é o resultado da ação de um indivíduo que atinge um objetivo cuja
consecução requer, reconhecidamente, habilidade. Quanto maior a dificuldade enfrentada
por esse indivíduo, maior será a habilidade de que ele precisará; e portanto
mais "sobrevivente" ele será e mais mérito conquistará. Ainda que não
receba o mérito convencionalmente atribuído, ganhará experiência; mas se for
notado por sua classe, granjeará também um mérito considerável. Não existe mérito
isolado – ele é um fenômeno social, tão comum quanto os cumprimentos.
Aquele
que, graças à sua habilidade, ao atravessar uma avenida é capaz de evitar que
um carro o atinja, é meritocrático; ele é regido pelo mérito do hábito que tem:
caso não tivesse a habilidade necessária, estaria ameaçado. Quanto aos não
habilidosos, se não receberem auxílio estarão fadados à morte. Hoje atravessar
uma avenida é muito comum, mas na época dos primeiros carros aconteciam acidentes
em baixa velocidade, provocados pela falta de habilidade daqueles que,
diferentemente de hoje, não tinham instrução.
O
reconhecimento dos que adquirem habilidade sem instrução é mérito, e esse
reconhecimento é necessário. Se existir algo que ninguém consiga manipular por
falta de habilidade, e então surgir alguém suficientemente habilidoso para
fazê-lo, este indivíduo deverá ser reconhecido e requisitado. Por outro lado, ele
se tornará responsável pela exposição de suas próprias habilidades. Haverá os
que, sozinhos, terão adquirido habilidades que poucos imaginavam existir e,
ainda por cima, para fazer coisas consideradas ilícitas. Estes se dividirão em
dois tipos: os primeiros tentarão expô-las e, consequentemente, sofrerão repúdio
(embora seja possível também que ganhem o afeto de alguns admiradores e
conquistem seguidores); os segundos evitarão expô-las, a fim de conservar a
própria segurança, e caso venham a expô-las, não será fácil explicar os
motivos, que poderão ser religiosos, familiares ou devidos à loucura.
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